Poesia
Quem me conta sua estória,
Annamélia?
Nello Rangel- Psicologia do
Cotidiano
Belo Horizonte, 21-4-20
A memória destilada não existe
Vem sempre impurezas,
turvação e redemoinhos.
Do pensamos que fomos,
muito quisemos que fosse,
alguma coisa ouvimos dizer,
outras tantas vivemos real.
Mas ao olharmos para trás
usamos a retina atual.
Quem nos vê já não enxerga quem
nós éramos,
e no adiante já não seremos mais
nós.
Mas você é diferente, Annamélia.
Você narrou sua estória
em cores, linhas e formas.
Várias Annas se olham em uma sala
de espelhos
Se refletem em Amélias,
Se desenham de ângulos, relógios e
entendimentos tantos.
Annamélia já deixou brigar filhos
pequenos, o preto e o branco, o bem e o mal.
Brincou com cartas de baralho de
lados opostos que não brigavam entre si.
Entrou no barroco, saiu
renascentista, pisou no concretismo, escorregou no lirismo, inspirou Nello Nuno
a finalmente se equilibrar em uma bicicleta.
Entalhou a madeira, correu o
metal, aquarelou o papel e pintou sobre a tela.
Foi menina, mulher, criança ou
padre, diabo e anjinho, cantora ou dançarina,
um tanto de bichos, de noite e de
dia.
Passeou por Ouro Preto em
trilhas-mapas telúricos, subiu e desceu escadas, voou sobre o casario.
Tanta vida em estórias se tocam e
entrelaçam amorosamente que é preciso saber esperar para poder olhar. Tantos
vividos e lembranças que sobrou só um pedacinho para as saudades.
Eis vocês, Annamélias. Eis suas
vidas a dançar. E são bonitas de montão.