quinta-feira, 23 de abril de 2020


Poesia
Quem me conta sua estória, Annamélia?
Nello Rangel- Psicologia do Cotidiano
Belo Horizonte, 21-4-20


A memória destilada não existe
Vem sempre impurezas,
turvação e redemoinhos.
Do pensamos que fomos,
muito quisemos que fosse,
alguma coisa ouvimos dizer,
outras tantas vivemos real.
Mas ao olharmos para trás
usamos a retina atual.
Quem nos vê já não enxerga quem nós éramos,
e no adiante já não seremos mais nós.

Mas você é diferente, Annamélia.
Você narrou sua estória
em cores, linhas e formas.
Várias Annas se olham em uma sala de espelhos
Se refletem em Amélias,
Se desenham de ângulos, relógios e entendimentos tantos.
Annamélia já deixou brigar filhos pequenos, o preto e o branco, o bem e o mal.
Brincou com cartas de baralho de lados opostos que não brigavam entre si.
Entrou no barroco, saiu renascentista, pisou no concretismo, escorregou no lirismo, inspirou Nello Nuno a finalmente se equilibrar em uma bicicleta.
Entalhou a madeira, correu o metal, aquarelou o papel e pintou sobre a tela.
Foi menina, mulher, criança ou padre, diabo e anjinho, cantora ou dançarina,
 um tanto de bichos, de noite e de dia.
Passeou por Ouro Preto em trilhas-mapas telúricos, subiu e desceu escadas, voou sobre o casario.
Tanta vida em estórias se tocam e entrelaçam amorosamente que é preciso saber esperar para poder olhar. Tantos vividos e lembranças que sobrou só um pedacinho para as saudades.
Eis vocês, Annamélias. Eis suas vidas a dançar. E são bonitas de montão.



terça-feira, 21 de abril de 2020



NO MEIO DO CAMINHO


No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Carlos Drummond de Andrade

Aquarela de Annamélia