Lembranças de Dr. Eli Bonini Garcia
Médico, Antropólogo e Terapeuta
Em 1972, Nello Nuno e eu frequentamos um grupo
de terapia de casal com o Dr. Eli Bonini Garcia.
Fomos muito questionados pelos amigos artistas de Belo Horizonte,
que diziam que nossas obras artísticas seriam prejudicadas, pois segundo eles nós passaríamos por uma lavagem cerebral...
"Terapia de grupo de casal?" A ideia horrorizava nossos amigos artistas.
Mas insistimos em fazer, não desistimos e, olhando para trás,
percebo que foi a fase mais importante
de minhas gravuras e das pinturas de Nello Nuno.
Aqui registro algumas lembranças daqueles tempos.
Paisagem em verde / Pintura Nello Nuno / 1973
Quando Nello Nuno faleceu eu estava em Ouro Preto.
Ele
tinha ido descansar na casa de campo de minha mãe em Lagoa Santa, com Amílcar
de Castro e Rodrigo Tófollo, dois de seus grandes amigos. Eles ligaram para mim dizendo que o Nello estava passando muito mal, e que o seu pai iria buscá-lo para ser atendido em Belo
Horizonte.
Foi o tempo de eu organizar as coisas em casa com as crianças - as gêmeas ainda não tinham completado 3 anos - alugar um carro e ir para BH.
Inominável / Xilogravura e colagem / Annamélia
Não imaginava
que não iria encontrá-lo já sem vida...
mas foi o que aconteceu...
O que me deu
força, diante desta tragédia inominável,
foi encontrar o Dr. Eli, que me disse:
Einstein e seu violino lunar sobre o leão
britânico
Nello Nuno 1973
“Nello Nuno resistiu muito, pedia aos médicos que não
deixasse ele morrer...pois tinha muitos filhos ainda pequenos,
que muito amava
e tanto dependiam dele...
e que eu tinha que ser forte, porque eles agora só teriam
a mim”...
Ele me ajudou muito e assim consegui ter forças
para cuidar
delas sozinha.
Não foi só aí que ele me ajudou.
Foi a terapia que Nello e eu fizemos com ele
que me
transformou em uma mulher forte e ligada à vida!
A terapia de casal feita com o dr. Bonini foi praticamente
o
que me aconteceu de mais importante na vida.
Aguaforte
/ Annamélia
Antes da terapia, quando ficava na sala de espera aguardando meu filho acabar a sessão de foniatria,
de vez em quando a porta da sala onde
acontecia o grupo se abria, e eu podia vislumbrar por momentos o Dr. Eli
balançando na
cadeira de balanço e dando risadas homéricas.
E o grupo sentado ao redor
dele...
Eu ficava assustada, e pensava que nunca
daria conta de estar naquele
grupo...
Quando a Arlete Faráh me sugeriu que entrasse para o grupo de casal, não
imaginava que o Nello fosse aceitar,
mas ele marcou para nós dois. Devo
isto a ele, dentre tantas outras coisas boas que me proporcionou.
E então fomos fazer terapia.
Lembro que o Dr. Eli muitas vezes ,ainda que na cadeira de balanço ficasse de costas para uns, falava: "Descruza os
braços, fulano!"
Um dia eu estava assim meio de lado e ele me disse: "Anna,
agora você
perdeu o medo!" No espanto eu perguntei: "como você sabe?"
E ele:"Porque você descruzou os braços."
Maquininha de fazer luar / Nello Nuno / 1974
Lembro-me de ter ficado muito emocionada nos grupos, e que
custei a me entregar. Já o Nello se entregou bem antes de mim.
Chorei algumas vezes...mas também ria muito.
Certa vez um amigo que fazia parte do grupo viajou por uns meses,
para
o exterior, e quando voltou nos encontramos
em uma exposição. Aí falei pra ele
que o Nello tinha tido alta na terapia - ou baixa, como dizia dr. Eli -
e o meu amigo comentou enciumado:
"Pudera, ele sempre foi o” enfant gâte” do doutor Eli!"
Iluminada / Xilogravura e colagem / Annamélia
O Nello, depois que se entregou, se dava tão bem no
grupo que parecia assistente do Dr. Eli!
Era divertido, a gente ria muito dos
dois...
Lembro do dia que o tema era o dinheiro, e o Dr.
Eli passou
uma nota de R$10,00 pelo grupo e todos pegavam com um jeito de nojo.
Depois ele
chamou o Nellinho, que tinha uns 6 anos. O Nellinho entrou na sala e o Dr. Eli ofereceu
a nota para ele, que pegou a nota e ficou, claro, super contente: "oba! Quero sim!!"
Interior com gravura de Annamélia Nello Nuno / 1971verde
Os grupos realmente me fascinavam. Tenho saudades...
Muitas vezes
saia aqui por Ouro Preto para desenhar e chamava o Nellinho para ir comigo.
Sentávamos
em algum morro, diante daquela paisagem deslumbrante, e íamos conversando.
Eu
só falava sobre os assuntos tratados na terapia, e de como eles tinham mudado a minha visão do mundo.
Fiquei mais descontraída, gostando mais de mim. Aprendi a falar
não!
Eu estava sorrindo muito mais,
achando muito mais graça na vida...
Enfim, agradeço imensamente ao Dr. Eli, pois me tornei uma pessoa muito mais feliz e alegre
depois da terapia... eu descobri um mundo novo!