quarta-feira, 24 de julho de 2019



Leilão /Nello Nuno

Estado de Minas ,08 de Novembro de 1975
Wilson Frade

 Quinta feira, um grupo ligado às artes plásticas, imprensa e meios intelectuais esteve reunido na residência do sr e sra Abílio Machado Filho para tratar da exposição e leilão dos trabalhos doados pelos mais conhecidos artistas mineiros e colecionadores particulares o conhecido analista em memória de Nello Nuno. 
     Em princípio ficou decidido que a mostra dos trabalhos reunidos será aberta, oficialmente no Palácio das Artes dia vinte e seis, vinte e sete e vinte e oito. Também ficou decidido que uma escultura pesando trezentos quilos em metal assinada e doada por Amílcar de Castro Filho, será exposta, mas não irá a leilão. Será oferecida a uma grande firma, um banco, que se interessa pela peça para seu acervo por ser bem grande.
 Também o conhecido analista Eli Bonini , que fez doações para esta exposição, colocou à disposição de Anna Amélia a quantia de vinte mil cruzeiros para a edição de um livro sobre a vida e a obra de Nello Nuno que será organizado por seus amigos. Entre os presentes à reunião (que será repetida amanhã), também na casa de Abílio Machado Filho),
Murilo Rubião, Márcio Sampaio, Armando Ziller Junior, Rui Mourão, Álvaro Apocalipse, Madú Geraldo Magalhães, Sara ávila e Dirceu de Oliveira entre outros.


 

UM LEILÃO DE MUITO PRESTÍGIO
ESTADO DE MINAS – Belo Horizonte, domingo, 16 de novembro de 1975
ARTES VISUAIS – 
Celma Alvim

    Um leilão que promete alcançar ampla repercussão no âmbito dos colecionadores mais exigentes é o que a Fundação de Arte de Ouro Preto promove nos dias 26, 27 e 28 do mês em curso em memória do artista Nello Nuno Rangel.
    Um valioso acervo, ponderável em quantidade e especialmente em qualidade, constituirá, não só no aceno sedutor dos colecionadores, como a característica que permite, desde já, que o referido leilão seja intitulado “O LEILÃO DO ANO”.
    Para atingir este nível, a promoção mereceu cuidados prévios muito especiais. Em primeiro lugar, destaque para os quatro meses de intenso trabalho efetuado pela FAOP. Uma tônica de discrição e sobriedade foi mantida, evitando-se “operações” paralelas de oportunistas que eventualmente se valessem de clima emocional suscitado pela morte repentina de artista, o que fatalmente terminaria por criar uma certa nebulosidade, uma distorção de efeito negativo na imagem pública da promoção.
    Também o forte sentimento de amizade que sempre ligou Nello Nuno a seus colegas, o alto prestígio que Annamélia, sua mulher, desfruta no metier, foram fatores básicos para esta adesão maciça e espontânea. Artistas e colecionadores de todo o país se apresentaram como doadores sem quaisquer pressões, fazendo com que pudéssemos não só registrar um ato magnífico de solidariedade mas também a realização de um excelente leilão, “O Leilão do Ano”.


Rui Mourão

( Apresentação no catálogo do Leilão em homenagem a Nello Nuno)


    E Nello Nuno habitou entre nós. Dionisicamente volumoso como todo boa-praça, mãos pequenas, roliços braços curtos, barbas e cabelos crescidos, andar algo chaplinesco, a sua constante era o sorriso discreto cheio de ternura. À distância, uma taurínea exuberância romana; na proximidade, 100 quilos de displicência bonachona, de candura a expelir frases soltas e sincopadas, como a esbarrar com a dificuldade para a expressão de tanta simpatia pelo próximo. As suas ideias sobre as coisas, as suas normas de vida, os seus sentimentos mais profundos? Deviam permanecer concentrados e recolhidos lá por dentro – não eram valores para com ele comparecer no convívio com os homens. O seu estar entre os seres devia ser marcado apenas pelas amenidades: de gestos, de coração, de camaradagem. E pelas cores de sua palheta, generosamente distribuídas na tarefa diária de contribuir para o embelezamento do mundo.
    A morte repentina foi o ato violento que atingiu apenas a família e os amigos. Contra Nello mesmo não poderia ter qualquer ação. A interrupção do curso de sua existência lhe era um fato quase indiferente e a sua obra permanece acima das contingências materiais, como comprova esta exposição de homenagem. Nello Nuno é dos poucos que poderiam produzir um acontecimento como este, em que a emoção dos companheiros se  converte numa festa geral de generosidade. 


 






As Gêmeas :Juliana e Tatiana, 1973- Pintura Nello Nuno


Texto de Annamélia sobre Leilão de quadros de Nello Nuno

Nello Nuno e eu nos conhecemos na secretaria de Arte da UEE/MG em 1961. Ele pintor, eu gravadora e desenhista, residentes em Belo Horizonte. Fomos a Ouro Preto pela UEE, junto com Celma Alvim (critica da Arte), Tereza e Àlvaro Apocalipse, Artistas Plasticos, montar uma exposição de Artistas Mineiros no grande Hotel de Ouro Preto, comemorativa do aniversário da cidade. Foi quando nos apaixonamos e começamos a namorar. Em 1º de outubro de 1962 nos casamos.Vivemos inicialmente em Lagoa Santa, em uma casa/granja de minha mãe. Éramos dois artistas plásticos que pretendíam viver às custas da granja, criando pintinhos para a venda de frangos e ovos.Tivemos nossa 1º filha, Alessandra, em 05/07/1963. Ocorreu então um acidente em que perdemos 200 pintinhos em um dia, e ficamos com dívidas de empréstimo no Banco do Brasil. Então desistimos da granja e voltamos para Belo Horisonte, e por sorte Nello Nuno começou a vender suas pinturas, as primeiras para a Livraria Itatiaia. Moramos um tempo na casa de minha sogra e depois na casa de minha mãe. Foi quando nasceu nosso 2º filho, Nello, em 24/09/1964. Nós, juntamente com mais dois casais, os também artistas Àlvaro e Tereza Apocalípse, e o pintor Haroldo Matos e sua mulher Tita, escritora, resolvemos alugar uma casa em Ouro Preto, onde montamos nossos ateliers. Seria só para os finais de semana, todos continuariam a residir em Belo Horizonte. Mas no primeiro fim de semana em que fomos os três casais  todos retornaram a BH, exceto Nello Nuno e eu, que ficamos por 3 anos. Foi o maior fim de semana que vivemos! Isto foi possível devido a um contrato que Nello Nuno fez com o livreiro e colecionador Samuel Koogan, pelo qual a metade da produção de pinturas de cada mês seria adquirida por ele. Isto permitiu a nossa permanência em Ouro Preto por 3 anos. Em 1969 voltamos para Belo Horizonte, onde alugamos uma casa na rua Antônio Dias, no bairro Santo Antônio. Foi quando nasceu Gabriela em 06/março de 1969. O ano de 1969 foi decisivo para Nello Nuno e eu, pois foi quando tomamos a decisão de voltar a morar definitivamente em Ouro Preto. Foi uma decisão corajosa, passando a viver exclusivamente de Arte. Inicialmente moramos em uma pequena chácara no Palácio Velho. Depois fomos para um casarão em frente à Igreja nossa Senhora do Rosário, onde nasceram as gêmeas Tatiana e Juliana, em 01/12/1971. Quando Nello Nuno faleceu repentinamente, a casa que havíamos comprado no Centro estava em restauração: sem telhado, sem a parte hidráulica e elétrica, portas e janelas também a substituir. Foi quando os amigos e pessoas ligadas às Artes Plásticas, colecionadores e intelectuais em geral se uniram, doando quadros para colocar a casa em condições de receber a mim e a nossos filhos. Foi uma ajuda preciosa, nos libertando de aluguel. Sou profundamente grata a todos eles.




A família feliz- Annamélia Gabriela, Nellinho  auro tertaro de Nello Nuno
Meus amores 1969-pintura Nello Nuno

terça-feira, 2 de julho de 2019



NOTAS DE UM REPORTER – Wilson Frade

 Estado de Minas  - Sábado, 5 de Julho de 1975

(Texto sobre o falecimento repentino e precoce de Nello Nuno, que deixou Annamélia
 viúva com cinco filhos pequenos) 

 Anjo Azul/ Auto Retrato / 1970

Foi minha filha quem me deu o recado da morte de Nello Nuno. Cheguei tarde em casa vindo de um jantar e amenina esperava-me para dar-me a notícia. E em cima perguntou: “ Papai, que é Nello Nuno? ” Peguei-a pela mão, fui até a sala e disse: “ Olha filha, Nello Nuno é o artista que pintou aquele quadro. Aquele outro. Aquele lá, também, de flores”.


A Familia Feliz / Meus amores / 1969





O Casamento / Auto Retrato com Annamélia / 1973

Algum tempo fiquei assentado diante de uma de suas telas, uma paisagem de Ouro Preto, cidade que escolhera para viver. Onde estaria a razão de sua morte, se tão jovem e com um futuro artístico tão grande pela frente? Nello tinha 36 anos. Era tarde e não dava para telefonar. Queria saber dos amigos o que havia acontecido. O dia amanheceu, pulei da cama e foi a primeira coisa que fiz. Como é duro o destino: Nello morrera envenenado por uma porção de patê estragado! Assim são os enlatados. Em lugar de satisfazer a fome, matam um artista! Primeiro veio a febre.


Auto Retrato como Ouro Preto / 1975

 Depois chamou o médico: o dr. Luiz Andrés, marido de Maria Helena, pintora e colega. Foi ficando paralítico e com a voz trêmula, disse: Faça alguma coisa Luiz; eu não quero morrer”. E partiu pois ninguém tem o direito de escolher a hora ou a maneira de morrer.


O Casamento / Auto Retrato com Annamélia / 1973

A morte vem quando menos se espera e leva, por exemplo, gente bacana como Nello Nuno. Boêmio, artista nato, amigo das crianças, comunicativo e com um coração do tamanho de seu corpo. 

Auto Retrato no Espelho / 1973 

Nello lembrava, pela sua barba grande, Orson Welles. Em Ouro Preto era tão popular que o povo já havia incorporado suas coisas boas. A morte acaba de levar um dos nossos melhores pintores, que de pesquisa em pesquisa descobria novas técnicas e se projetava além de Minas.

As Gêmeas Juliana e Tatiana / 1973

A última exposição que fez no Rio, foi sucesso de crítica e de venda. Ouro Preto veste-se de luto num instante em que deveria estar alegre por causa do Festival de Inverno e Nello Nuno está dormindo na mesma cidade em que dorme Guignard.


Ultima  Pintura / 1975