sexta-feira, 23 de novembro de 2018



Lembranças de Dr. Eli Bonini Garcia
Médico, Antropólogo e Terapeuta


Aguaforte / Annamélia

Em 1972, Nello Nuno e eu frequentamos um grupo
 de terapia de casal com o Dr. Eli Bonini Garcia.
 Fomos muito questionados pelos amigos artistas de Belo Horizonte,
 que diziam que nossas obras artísticas seriam prejudicadas, pois segundo eles nós passaríamos por uma lavagem cerebral...
"Terapia de grupo de casal?" A ideia horrorizava nossos amigos artistas.
Mas insistimos em fazer, não desistimos e, olhando para trás, 
percebo que foi a fase mais importante 
de minhas gravuras e das pinturas de Nello Nuno.
Aqui registro algumas lembranças daqueles tempos. 


Paisagem em verde / Pintura Nello Nuno / 1973


Quando Nello Nuno faleceu eu estava em Ouro Preto. 
Ele tinha ido descansar na casa de campo de minha mãe em Lagoa Santa, com Amílcar de Castro e Rodrigo Tófollo, dois de seus grandes amigos. Eles ligaram para mim dizendo que o Nello estava passando muito mal, e que o seu pai iria buscá-lo para ser atendido em Belo Horizonte. 
Foi o tempo de eu organizar as coisas em casa com as crianças - as gêmeas ainda não tinham completado 3 anos - alugar um carro e ir para BH.



Inominável / Xilogravura e colagem / Annamélia



 Não imaginava que não iria encontrá-lo já sem vida... 
mas foi o que aconteceu...
 O que me deu força, diante desta tragédia inominável, 
foi encontrar o Dr. Eli, que me disse:

Einstein e seu violino lunar sobre o leão britânico
 Nello Nuno 1973

“Nello Nuno resistiu muito, pedia aos médicos que não deixasse ele morrer...pois tinha muitos filhos ainda pequenos, 
que muito amava e tanto dependiam dele...
e que eu tinha que ser forte, porque eles agora só teriam a mim”...
Ele me ajudou muito e assim consegui ter forças 
para cuidar delas sozinha.
 Não foi só aí que ele me ajudou.
Foi a terapia que Nello e eu fizemos com ele 
que me transformou em uma mulher forte e ligada à vida!
A terapia de casal feita com o dr. Bonini foi praticamente 
o que me aconteceu de mais importante na vida.



Aguaforte / Annamélia

Antes da terapia, quando ficava na sala de espera aguardando meu filho acabar a sessão de foniatria, 
de vez em quando a porta da sala onde acontecia o grupo se abria, e eu podia vislumbrar por momentos o Dr. Eli 
balançando na cadeira de balanço e dando risadas homéricas.
 E o grupo sentado ao redor dele...
Eu ficava assustada, e pensava que nunca 
daria conta de estar naquele grupo...
Quando a Arlete Faráh me sugeriu que entrasse para o grupo de casal, não imaginava que o Nello fosse aceitar,
 mas ele marcou para nós dois. Devo isto a ele, dentre tantas outras coisas boas que me proporcionou.
E então fomos fazer terapia. 
Lembro que o Dr. Eli muitas vezes ,ainda que na cadeira de balanço ficasse de costas para uns, falava: "Descruza os braços, fulano!" 
 Um dia eu estava assim meio de lado e ele me disse: "Anna, 
agora você perdeu o medo!" No espanto eu perguntei: "como você sabe?"
E ele:"Porque você descruzou os braços."



Maquininha de fazer luar / Nello Nuno / 1974

Lembro-me de ter ficado muito emocionada nos grupos, e que custei a me entregar. Já o Nello se entregou bem antes de mim.
Chorei algumas vezes...mas também ria muito. 
Certa vez um amigo que fazia parte do grupo viajou por uns meses,
 para o exterior, e quando voltou nos encontramos 
em uma exposição. Aí falei pra ele que o Nello tinha tido alta na terapia - ou baixa, como dizia dr. Eli -
 e o meu amigo comentou enciumado:
"Pudera, ele sempre foi o” enfant gâte” do doutor Eli!"


Iluminada / Xilogravura e colagem / Annamélia


O Nello, depois que se entregou, se dava tão bem no grupo que parecia assistente do Dr. Eli! 
Era divertido, a gente ria muito dos dois...
Lembro do dia que o tema era o dinheiro, e o Dr.
 Eli passou uma nota de R$10,00 pelo grupo e todos pegavam com um jeito de nojo. 
Depois ele chamou o Nellinho, que tinha uns 6 anos. O Nellinho entrou na sala e o Dr. Eli ofereceu a nota para ele, que pegou a nota e ficou, claro, super contente: "oba! Quero sim!!"




Interior com gravura de Annamélia Nello Nuno / 1971verde 


Os grupos realmente me fascinavam. Tenho saudades...
Muitas vezes saia aqui por Ouro Preto para desenhar e chamava o Nellinho para ir comigo.
Sentávamos em algum morro, diante daquela paisagem deslumbrante, e íamos conversando. 
Eu só falava sobre os assuntos tratados na terapia, e de como eles tinham mudado a minha visão do mundo. 
Fiquei mais descontraída, gostando mais de mim. Aprendi a falar não! 
Eu estava sorrindo muito mais, 
achando muito mais graça na vida...
Enfim, agradeço imensamente ao Dr. Eli, pois me tornei uma pessoa muito mais feliz e alegre depois da terapia... eu descobri um mundo novo!





4 comentários:

  1. Só soube hoje, dez minutos atrás, que Dr. Ely morreu. Também sou um dos herdeiros da riqueza que ele nos legou. Estava para visitá-lo na fazenda, adiando a ida, há pelo menos dois anos. Compus uma canção baseada em um texto dele e lhe entreguei a letra em 2014. Estava sem um violão para cantá-la naquela ocasião. Imaginei poder fazê-lo na próxima oportunidade. Não será possível, mas louvo a Deus pela vida desse homem. Meu mestre.

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  2. Ah...!!! Dr. Eli morreu? Não acredito! Ele me fez viver...eu cliente, estudante de psicologia, Seu breve estagiário...e, ainda, amante das das cores..dr. Eli que me encaminhou pra vida, claro, pras cores....

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  3. Cara Ana. Conheci vc em Ouro Preto através do Jorge dos Anjos e Tereza Boldoni. Triste pela notícia morte dr. Eli..A conheci na FAOP...

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