quinta-feira, 12 de novembro de 2020


Sertão 

poema de João Cabral de Melo Neto
"Morte e Vida Severina"  (trecho)

Aquarela; Annamélia


"De sua formosura

já venho dizer:

é um menino magro,

de muito peso não é,

mas tem o peso de homem,

de obra de ventre de mulher.

 

De sua formosura

deixai-me que diga:

é uma criança pálida,

é uma criança franzina,

mas tem a marca de homem,

marca de humana oficina.

 

Sua formosura

deixai-me que cante:

é um menino guenzo

como todos os desses mangues,

mas a máquina de homem

já bate nele, incessante.

 

Sua formosura

eis aqui descrita:

é uma criança pequena,

enclenque e setemesinha,

mas as mãos que criam coisas

nas suas já adivinha.


terça-feira, 3 de novembro de 2020

 

REVOADA

 Poema Nello Rangel
Aquarela Annamélia


Descobri maravilhado, há muitos anos,

 o corredor de andorinhas de Ouro Preto.

Descobri ao mesmo tempo o motivo obvio

 do nome da cachoeira em que estávamos.

Lá, onde a pedra do jacaré avança, solitária e esguia,

 por sobre o abismo,

Lá, onde estávamos sentados eu, Ivan e Witer,

os pés balançavam pendurados no ar,

admirávamos as andorinhas que chegavam aos montes,

em voos extraordinários.

Muito jovens, eu e meus amigos,

prontos a nos lançarmos ao ar solto do futuro,

cheios de esperanças e temores,

mimetizados em libertos seres alados.

Éramos, contudo, bem distintos daquele turbilhão de pássaros

de um azul profundo.

Elas voam sem igual,

rápidas,em bruscas curvas,

resolutas e impávidas,

minúsculos colossos.

Andorinhas não temem.