domingo, 20 de junho de 2021

 

O Tempo

 Poesia Nello Rangel
Aquarela Annamélia

O tempo, esse ser fugidio.

O antes, o antigo, o arcaico,

que abraça, nutre, agarra.

O tempo, esse ser diáfano.

O depois, o adiante, o novo,

que espera, motiva, aflige.

O tempo, esse ser aqui.

O hoje, o agora, o atual.

Cá estamos?

O tempo, essa presença, comigo.

 




domingo, 13 de junho de 2021

 

Marcas e memórias

Poesia Nello Rangel

Aquarela Annamélia

Mas a vida naquela época não era difícil demais?

Bichos enormes famintos, chuva e sol, frio e calor,

outras tribos nos querendo matar?

Por quanto tempo se vivia na pré-história?

Mesmo assim, no escuro das cavernas,

com a luz vermelha das tochas e brasas,

alguém esfregava seus dedos,

sujos de lama e carvão,

na tela de pedra.

Deixavam marcas e memórias.

Sem saber que viveriam até agora.

 


segunda-feira, 7 de junho de 2021


 Uma vez

Poesia de Nello Rangel / Aquarela de Annamélia

 Uma vez, ainda criança, caí de um abacateiro bem alto.

Desci rodando do penúltimo galho.

Não se vê nada assim.

um turbilhão.

Já adolescente fui arremessado longe

atropelado por um carro de polícia.

Rodopiei pelo ar demorados segundos antes do choque.

Dessa vez houve uma diferença.

Um powerpoint supersônico de imagens de minha vida,

em cronologia perfeita,

passou dentro de mim,

terminando com a imagem do carro chegando,

no exato momento em que batia no chão.

Isso foi diferente do mundo cinza rodopiante do abacateiro.

Mas, de novo, não enxerguei nada no meio do redemoinho.

Só neblinas, fumaças em fluxo, girando, girando, até a baque surdo.

O curioso é que, nas duas situações,

no instante em que ia esborrachar no chão,

eu me contorcia no ar.

E caia de ombro.

De alguma forma obscura eu, sem saber, sabia onde estava o chão.

E, na hora certa, me virava.

 

Foi tão sério lá atrás que eu poderia, de verdade, ter morrido.

E agora, de novo, tudo, tudo, ao redor, gira.

A vista, novamente, queda, enevoada.

Perdeu-se a rosa dos ventos?

No passado quase morri.

Mas nesse ano não morro.

 

 

Nello Rangel

domingo, 6 de junho de 2021

 

A memória é verde

Poesia de Nello Rangel

Aquarela de Annamélia

 


Lá no fundo do quintal,

onde terminavam os canteiros,

e morava a última mangueira

- aquela, que só dava frutos secos -

principiava o bambuzal.

Nele eu entrava, pela passagem escondida

entre os bambus mais novos da frente,

e chegava na “sala”, no meio das folhas e talos.

Até ali, tudo bem.

Seguir além era mais complicado.

Logo me confundia no emaranhado verde

de galhos, cipós, musgos e humidade.

Tentando dormir, com um pouco de frio,

me vi lá, onde tudo era familiar,

mas confuso, misturado, indistinto.

Ali estavam as raízes,

ocultas no húmus vivo.

A mata, sempre uma tentação

de retornar, atrás e longe.

E um receio de sumir

entre sombras passadas.

 


terça-feira, 1 de junho de 2021

 

A Violência

Aquarela de Annamélia



A violência não precisa de razões

sabe encontrá-las excelentes

quando se quer desencadear.

A violência busca,

e sempre acaba por encontrar. uma vítima,

e a trocará por outra sem qualquer razão,

exceto ser vulnerável e estar ao alcance da mão.

 

Poema e prosa adaptado de René Girard