O Que assusta
Poesia de Nello Rangel
Aquarela de Annamélia
O que assusta
-fantasmas,
fantasias temerosas
a vagar, ambíguas-
desviam a consciência
daquilo que aniquila
e nem é visto.
Somos mais frágeis
do que perversos
Poesia Nello Rangel
Aquarela de Annamélia
Tem o frio que chega do sul.
Tem o vírus tão mau cuidado.
Tem a maldade que assusta e por isso parece que é só.
E tem os meninos que não sabem nada disso.
E são tantos.
E teve tantos.
Tem que confiar que o amor é melhor.
Que a vida é maior.
E que viver faz sentido
29/07/2021
Desenhista , gravadora e pintora
A sala de visita era o ateliê do papai, o pintor Nello Nuno, local de brincadeira e de convivência.
Nos livros de arte os nossos primeiros rabiscos, primeiros desenhos foram feitos com os papeis e tintas de meus pais, minha mãe, a gravadora Annamélia Lopes, fez uma pasta para cada filho. Na varanda desta sala brincávamos de teatro com as marionetes e suas mãozinhas modeladas em couro (achava a coisa mais linda) que mamãe fazia com os alunos dos cursos de arte da FAOP.
Por que começo com este relato? Conheci a vida e o mundo assim, repleto de arte e amigos artistas, as paredes cheias de quadros, os ateliês cheios de objetos, histórias e mistérios.
Perceber que não era assim para todos foi um choque.
Nesta convivência iniciei minha formação nos cursos da FAOP, desenho, história da arte, cor e gravura. Trabalhei no ateliê de gravura com minha mãe até o término do ensino médio.
Fiz a primeira individual em 1985, expondo a série inicial com o tema das montanhas em visão onírica e imaginária - a aprendiz adolescente olha para o ambiente externo da cidade enquanto conhece e experimenta diversas técnicas da gravura em metal; e a segunda série aonde meu olhar volta-se para o interior da casa e seu cotidiano. Deste período trago a linha direta, o traço firme, a base nos procedimentos da linguagem gráfica, o gosto pela ranhura, pela incisão e o olhar para as coisas do cotidiano.
Fui compreender o tanto que este período me constitui, quando depois de muitos anos distante da prática cotidiana do ateliê de gravura, em 2004, visitei uma tipografia em São José do Calçado/ES. Eram duas pequenas salas, as prensas, as bancadas de trabalho com os tipos em metal, e um folheto sendo impresso.
Foi respirar o ar do ambiente que me senti em casa, no
aconchego do ateliê de gravura de minha mãe!
Hoje o relato é sobre este início de minha caminhada, o
quanto marca minha trajetória e a paixão pela “cozinha” da gravura, que retomo
em 2018, e são a base das pesquisas que deram origem aos últimos trabalhos
postados.
Janeiro de 2021
O tempo, esse ser fugidio.
O antes, o antigo, o arcaico,
que abraça, nutre, agarra.
O tempo, esse ser diáfano.
O depois, o adiante, o novo,
que espera, motiva, aflige.
O tempo, esse ser aqui.
O hoje, o agora, o atual.
Cá estamos?
O tempo, essa presença, comigo.
Marcas e memórias
Poesia Nello Rangel
Aquarela Annamélia
Mas a vida naquela época não era difícil demais?
Bichos enormes
famintos, chuva e sol, frio e calor,
outras tribos nos
querendo matar?
Por quanto tempo se
vivia na pré-história?
Mesmo assim, no
escuro das cavernas,
com a luz vermelha
das tochas e brasas,
alguém esfregava
seus dedos,
sujos de lama e
carvão,
na tela de pedra.
Deixavam marcas e
memórias.
Sem saber que
viveriam até agora.
Uma vez
Poesia de Nello Rangel / Aquarela de Annamélia
Desci rodando do penúltimo galho.
Não se vê nada assim.
Só um turbilhão.
Já adolescente fui arremessado longe
atropelado por um carro de polícia.
Rodopiei pelo ar demorados segundos antes do choque.
Dessa vez houve uma diferença.
Um powerpoint supersônico de imagens de minha vida,
em cronologia perfeita,
passou dentro de mim,
terminando com a imagem do carro chegando,
no exato momento em que batia no chão.
Isso foi diferente do mundo cinza rodopiante do
abacateiro.
Mas, de novo, não enxerguei nada no meio do redemoinho.
Só neblinas, fumaças em fluxo, girando, girando, até a
baque surdo.
O curioso é que, nas duas situações,
no instante em que ia esborrachar no chão,
eu me contorcia no ar.
E caia de ombro.
De alguma forma obscura eu, sem saber, sabia onde estava
o chão.
E, na hora certa, me virava.
Foi tão sério lá atrás que eu poderia, de verdade, ter
morrido.
E agora, de novo, tudo, tudo, ao redor, gira.
A vista, novamente, queda, enevoada.
Perdeu-se a rosa dos ventos?
No passado quase morri.
Mas nesse ano não morro.
Nello Rangel
Lá no fundo do
quintal,
onde terminavam os
canteiros,
e morava a última
mangueira
- aquela, que só
dava frutos secos -
principiava o
bambuzal.
Nele eu entrava,
pela passagem escondida
entre os bambus mais
novos da frente,
e chegava na “sala”,
no meio das folhas e talos.
Até ali, tudo bem.
Seguir além era mais
complicado.
Logo me confundia no
emaranhado verde
de galhos, cipós,
musgos e humidade.
Tentando dormir, com
um pouco de frio,
me vi lá, onde tudo
era familiar,
mas confuso,
misturado, indistinto.
Ali estavam as
raízes,
ocultas no húmus
vivo.
A mata, sempre uma
tentação
de retornar, atrás e
longe.
E um receio de sumir
entre sombras
passadas.
Pinturas nas paredes de cavernas antigas
- rastros de carvão, lama, sangue e óxido de ferro-
espelham a rudeza se um tempo de sobrevivência.
Mas por detrás da rocha inerte tudo era vida,
desenhada em traços soltos:
o dia, a caça, os corpos, o sexo.
,Annamélia em sua fase rupestre,
traz essa mesma lhaneza.
Mas aquática em transparências,
Vai além na delicadeza, como se antecipasse saber que,
Por terem as entradas submersas,
As pinturas daquela caverna
chegariam vívidas até hoje.
Poesia Nello Rangel
Poesia de Nello Rangel
Vou-me embora
pra qualquer lugar,
qualquer tempo
que não seja já.
Outros mundos,
outros ares,
outros tempos,
outros mares.
Se pareço fugir,
se me pensam tentar
escapulir ou escapar,
ao menos considero
que tem muito a percorrer
tem também no horizonte
caminhos, trilhas ou estradas
abertas no adiante.
Poesia Nello Rangel
Tu me fizeste conhecido
De amigos que eu não conhecia
Tu me destes lugares
em casas que não eram
minhas
Tu trouxeste para perto o
que estava longe
e do estrangeiro fizestes
meu irmão.
Sofre meu coração quando
tenho
de deixar meu refúgio
habitual;
eu me esqueço de que aí,
o que é velho habita o que
é novo
e que aí tu habitas também.
Pelo nascimento e pela
morte
neste e em outros mundos,
onde quer que me conduzas,
és tu o mesmo, o
companheiro único
de minha vida sem fim,
que com laços de alegria
Melodia do Vivido
poesia Nello Rangel
Aquarela Anna Amélia
Meu
marido teve alta da terapia antes de mim.
Mas não
era ele o destrambelhado?
Eu me
demorei mais no tratamento.
E ele
troçava, vitorioso.
Num tempo
mais adiante sonhei que voava.
Todo o
céu a meu dispor.
Sobrevoava
as crianças que fui,
as
cidades que vivi,
as
memórias que chorei.
Qualquer
direção estava aberta para mim,
planando
na melodia do vivido.
Contei o
sonho na terapia.
Meu
marido não troçou mais.