quarta-feira, 25 de agosto de 2021


O Que assusta

Poesia de Nello Rangel

Aquarela de Annamélia

O que assusta

-fantasmas,

fantasias temerosas 

a vagar, ambíguas- 

desviam a consciência

daquilo que aniquila

e nem é visto.

Somos mais frágeis 

do que perversos


domingo, 22 de agosto de 2021

 

O Fio da meada

Poesia se Nello Rangel, aquarela de Annamélia


Parece confuso, perdido,

sem direção,

embrulhado sem cuidado.

enevoado,

longe do coração.

Mas é trama dobada,

Enovelada,

Confusa só na impressão.

Ao tomar para si,

o fio da meada,

se desdobra,

sem nós

na palma da mão.

 


sábado, 14 de agosto de 2021

 

Pantanal

Poesia de Nello Rangel
Aquarela de Annamélia


Todos são gente.
Todos escolhem
Todos conversam.
Todos caçam
Todos casam..
Todos em algum momento, fogem.
Por sobre o humos, 
envoltos na água,
em cima, no céu,
todos convivem,
palpáveis ou não,
pessoas que são




quinta-feira, 29 de julho de 2021

Tem que confiar

Poesia Nello Rangel

Aquarela de Annamélia

Tem o frio que chega do sul.

Tem o vírus tão mau cuidado.

Tem a maldade que assusta e por isso parece que é só.

E tem os meninos que não sabem nada disso.

E são tantos.

E teve tantos.

Tem que confiar que o amor é melhor.

Que a vida é maior.

E que viver faz sentido

 

29/07/2021


sexta-feira, 16 de julho de 2021

 

Sou grato

Poesia de Nello Rangel
Aquarela de Annamélia



Sempre há o mexer 
uma direção ao infinito
que me acode.
Calor.

Sempre abro a porta
que cerca o mundo
e ninguém me vê.
Frio.

Sempre preciso falar 
a vida que corre
me deixou no mundo.
Sou grato.

Sempre há de viver.
Por mim 
deixaria de pensar.
Neblina

Sempre me deixo
a planar sobre o céu
repleto de nuvens.
Sentir.


quarta-feira, 7 de julho de 2021

 

Depoimento de minha filha Gabriela Rangel



Desenhista , gravadora e pintora

A arte para mim é o ser e o estar no mundo.

A sala de visita era o ateliê do papai, o pintor Nello Nuno, local de brincadeira e de convivência.

 Nos livros de arte os nossos primeiros rabiscos, primeiros desenhos foram feitos com os papeis e tintas de meus pais, minha mãe, a gravadora Annamélia Lopes, fez uma pasta para cada filho. Na varanda desta sala brincávamos de teatro com as marionetes e suas mãozinhas modeladas em couro (achava a coisa mais linda) que mamãe fazia com os alunos dos cursos de arte da FAOP. 

Por que começo com este relato? Conheci a vida e o mundo assim, repleto de arte e amigos artistas, as paredes cheias de quadros, os ateliês cheios de objetos, histórias e mistérios.

 Perceber que não era assim para todos foi um choque. 

Nesta convivência iniciei minha formação nos cursos da FAOP, desenho, história da arte, cor e gravura. Trabalhei no ateliê de gravura com minha mãe até o término do ensino médio.

 Fiz a primeira individual em 1985, expondo a série inicial com o tema das montanhas em visão onírica e imaginária - a aprendiz adolescente olha para o ambiente externo da cidade enquanto conhece e experimenta diversas técnicas da gravura em metal; e a segunda série aonde meu olhar volta-se para o interior da casa e seu cotidiano. Deste período trago a linha direta, o traço firme, a base nos procedimentos da linguagem gráfica, o gosto pela ranhura, pela incisão e o olhar para as coisas do cotidiano. 

Fui compreender o tanto que este período me constitui, quando depois de muitos anos distante da prática cotidiana do ateliê de gravura, em 2004, visitei uma tipografia em São José do Calçado/ES. Eram duas pequenas salas, as prensas, as bancadas de trabalho com os tipos em metal, e um folheto sendo impresso.

 Foi respirar o ar do ambiente que me senti em casa, no aconchego do ateliê de gravura de minha mãe!

Hoje o relato é sobre este início de minha caminhada, o quanto marca minha trajetória e a paixão pela “cozinha” da gravura, que retomo em 2018, e são a base das pesquisas que deram origem aos últimos trabalhos postados.

Janeiro de 2021



    


domingo, 20 de junho de 2021

 

O Tempo

 Poesia Nello Rangel
Aquarela Annamélia

O tempo, esse ser fugidio.

O antes, o antigo, o arcaico,

que abraça, nutre, agarra.

O tempo, esse ser diáfano.

O depois, o adiante, o novo,

que espera, motiva, aflige.

O tempo, esse ser aqui.

O hoje, o agora, o atual.

Cá estamos?

O tempo, essa presença, comigo.

 




domingo, 13 de junho de 2021

 

Marcas e memórias

Poesia Nello Rangel

Aquarela Annamélia

Mas a vida naquela época não era difícil demais?

Bichos enormes famintos, chuva e sol, frio e calor,

outras tribos nos querendo matar?

Por quanto tempo se vivia na pré-história?

Mesmo assim, no escuro das cavernas,

com a luz vermelha das tochas e brasas,

alguém esfregava seus dedos,

sujos de lama e carvão,

na tela de pedra.

Deixavam marcas e memórias.

Sem saber que viveriam até agora.

 


segunda-feira, 7 de junho de 2021


 Uma vez

Poesia de Nello Rangel / Aquarela de Annamélia

 Uma vez, ainda criança, caí de um abacateiro bem alto.

Desci rodando do penúltimo galho.

Não se vê nada assim.

um turbilhão.

Já adolescente fui arremessado longe

atropelado por um carro de polícia.

Rodopiei pelo ar demorados segundos antes do choque.

Dessa vez houve uma diferença.

Um powerpoint supersônico de imagens de minha vida,

em cronologia perfeita,

passou dentro de mim,

terminando com a imagem do carro chegando,

no exato momento em que batia no chão.

Isso foi diferente do mundo cinza rodopiante do abacateiro.

Mas, de novo, não enxerguei nada no meio do redemoinho.

Só neblinas, fumaças em fluxo, girando, girando, até a baque surdo.

O curioso é que, nas duas situações,

no instante em que ia esborrachar no chão,

eu me contorcia no ar.

E caia de ombro.

De alguma forma obscura eu, sem saber, sabia onde estava o chão.

E, na hora certa, me virava.

 

Foi tão sério lá atrás que eu poderia, de verdade, ter morrido.

E agora, de novo, tudo, tudo, ao redor, gira.

A vista, novamente, queda, enevoada.

Perdeu-se a rosa dos ventos?

No passado quase morri.

Mas nesse ano não morro.

 

 

Nello Rangel

domingo, 6 de junho de 2021

 

A memória é verde

Poesia de Nello Rangel

Aquarela de Annamélia

 


Lá no fundo do quintal,

onde terminavam os canteiros,

e morava a última mangueira

- aquela, que só dava frutos secos -

principiava o bambuzal.

Nele eu entrava, pela passagem escondida

entre os bambus mais novos da frente,

e chegava na “sala”, no meio das folhas e talos.

Até ali, tudo bem.

Seguir além era mais complicado.

Logo me confundia no emaranhado verde

de galhos, cipós, musgos e humidade.

Tentando dormir, com um pouco de frio,

me vi lá, onde tudo era familiar,

mas confuso, misturado, indistinto.

Ali estavam as raízes,

ocultas no húmus vivo.

A mata, sempre uma tentação

de retornar, atrás e longe.

E um receio de sumir

entre sombras passadas.

 


terça-feira, 1 de junho de 2021

 

A Violência

Aquarela de Annamélia



A violência não precisa de razões

sabe encontrá-las excelentes

quando se quer desencadear.

A violência busca,

e sempre acaba por encontrar. uma vítima,

e a trocará por outra sem qualquer razão,

exceto ser vulnerável e estar ao alcance da mão.

 

Poema e prosa adaptado de René Girard


segunda-feira, 24 de maio de 2021

 

Rupestre

Poesia Nello Rangel
Aquarela Annamélia


Pinturas nas paredes de cavernas antigas

- rastros de carvão, lama, sangue e óxido de ferro-

espelham a rudeza se um tempo de sobrevivência.

Mas por detrás da rocha inerte tudo era vida,

desenhada em traços soltos:

o dia, a caça, os corpos, o sexo.

,Annamélia em sua fase rupestre,

traz essa mesma lhaneza.

Mas aquática em transparências,

Vai além na delicadeza, como se antecipasse saber que,

Por terem as entradas submersas,

As pinturas daquela caverna

chegariam vívidas até hoje.

 

Poesia Nello Rangel


quinta-feira, 20 de maio de 2021


O Humos do Quintal

Poesia de Nello Rangel
Aquarela de Annamélia
 

O humos do quintal  
- onde escondeu o cachorro proibido por anos -
guardava a memória das folhas, dos galhos, dos restos, dos anos.
As raizes desciam na obscuridade do solo,
desviando  de pedras e fósseis,
formando um mapa sub-telúrico.
Lembranças, memórias e saudades, entrelaçadas:
rastros dos passos e caminhos trilhados.
Humilde segredo:
o sentido está abaixo,
na umidade que nutre.
Décadas e lustros passaram
mas de nada adiantou.
Resistente, a infância retorna,  soberana.
 

Poesia de Nello Rangel


quarta-feira, 12 de maio de 2021

 

Uma Arqueologia da distância

poesia de Nello Rangel
Aquarela de Annamélia


Annamélia e suas telas
muitos caminhos percorreram
entre estradas e escadas,
trajetos e sonhos,
subidas e descidas.
Annamélia passeou.
Em crianças a percorrer
aventuras e perigos,
uma mãe com seus muitos filhos,
a proteger e encorajar, 
em percursos e caminhos
por mapas telúricos
de uma Ouro Preto imaginária.
Agora viaja em mapas temporais,
 arcaicos registros,
em busca de raízes e esperança,
diferenças e contrastes.
mudanças e descobertas,
numa escavação da memória.
Encontra fósseis
radiográficos do passado,
praticando cuidadosa 
uma arqueologia da distância.

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

 

Vou-me embora

Poesia de Nello Rangel
Aquarela de Annamélia



Vou-me embora

pra qualquer lugar,

qualquer tempo

que não seja já.

Outros mundos,

outros ares,

outros tempos,

outros mares.

Se pareço fugir,

se me pensam tentar

escapulir ou escapar,

ao menos considero

que tem muito a percorrer

tem também no horizonte

caminhos, trilhas ou estradas

abertas no adiante.

 

Poesia Nello Rangel


sexta-feira, 30 de abril de 2021

Marrocos

aquarela de Annamélia

Poesia deTagore

Tu me fizeste conhecido

De amigos que eu não conhecia

 

Tu me destes lugares

em casas que não eram minhas

 

Tu trouxeste para perto o que estava longe

e do estrangeiro fizestes meu irmão.

 

Sofre meu coração quando tenho

de deixar meu refúgio habitual;

eu me esqueço de que aí,

o que é velho habita o que é novo

e que aí tu habitas também.

 

Pelo nascimento e pela morte

neste e em outros mundos,

onde quer que me conduzas,

és tu o mesmo, o companheiro único

de minha vida sem fim,

que com laços de alegria

sempre une ao alheio o meu coração. 

quarta-feira, 10 de março de 2021

Melodia do Vivido

poesia Nello Rangel

Aquarela  Anna Amélia



Meu marido teve alta da terapia antes de mim.

Mas não era ele o destrambelhado?

Eu me demorei mais no tratamento.

E ele troçava, vitorioso.

Num tempo mais adiante sonhei que voava.

Todo o céu a meu dispor.

Sobrevoava as crianças que fui,

as cidades que vivi,

as memórias que chorei.

Qualquer direção estava aberta para mim,

planando na melodia do vivido.

Contei o sonho na terapia.

Meu marido não troçou mais.