Texto do jornal o Tempo:
TRÊS DÉCADAS DE ARTE
NA FAOP
Para comemorar seus 30 anos, a Fundação de Arte de Ouro Preto define
programação que inclui exposições, palestras e debates.
Wir Caetano,
Especial
para “O Tempo” a 15/10/1998
Ânsia de contemporaneidade. Esse
era o grande sintoma de um grupo de artistas que resolveu mudar na Ouro Preto
dos anos 60, o cenário dominado pelo “kitsch” das pinturas figurativas
retratando telhados e esquinas da velha Vila Rica. Esse sintoma acabaria por desaguar
na Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), inaugurada em 1968, que está
comemorando 30 anos.
Para celebrar a FAOP conta com
uma programação que envolve exposição de obras de Nello Nuno e Annamélia (de 20
a 25 de novembro) outra de ex-alunos, palestras e debates. Por sua sede
passaram nomes significativos das artes plásticas da segunda metade de nosso
breve século 20, como os professores José Alberto Nemer, Jarbas Juarez, Carlos
Bracher , Carlos Scliar, Maria Helena Andrés e Madu. Entre os alunos. O poeta,
editor e artista gráfico Guilherme Mansur, o restaurador Olavo Ramos e Jorge
dos Anjos, que veio também a lecionar na instituição.
A história da FAOP começou com
Otto Lara Rezende, que queria oferecer um novo emprego a Vinicius de Morais, na
época funcionário do Itamarati e na mira da ditadura militar. Otto intercedeu
junto ao então governador de Minas, Israel Pinheiro, para convidar o poetinha a
vir trabalhar em Minas. Vinicius aceitou o convite e aportou em Ouro Preto. Foi
em meio do casarão barroco que ele conheceu Domitila do Amaral, atuante no meio
teatral, e começaram a idealizar um espaço cultural para agitar a velha capital
das Gerais. No dia 25 de novembro de 1968, Israel Pinheiro inaugurava esse
espaço - a Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), cujo primeiro presidente foi o escritor Murilo Rubião.
“Escolinha”
“Sugerimos a Murilo Rubião assumir a escola”, conta Annamélia Lopes que, com o marido Nello Nuno (cuja
obra teve sua fase “muriliana”, criou a escola de artes plásticas e restauração
Rodrigo Mello Franco de Andrade, o eixo mor da FAOP. Isso foi em 1972. Até
então a FAOP funcionava como uma espécie de secretaria de cultura, destinada à
promoção festivais e oficinas de arte, atividades que foram esvaziadas quando a
prefeitura criou a Secretaria de Turismo e Cultura.
Annamélia, formada na primeira
turma da Escola de Belas-Artes da UFMG, conta que que a “escolinha” começou efetivamente
em 1965, quando o casal Nuno foi passar um fim de semana em Ouro Preto e não
resistiu: adotou a cidade. Como realizavam um trabalho mais contemporâneo,
distinto do que dominava Ouro Preto na época, passaram a ser muito procurados
por moradores interessados em respirar outros ares estéticos. O casal decidiu
criar um curso que se arrastou com dificuldade – o único aluno foi Sussuca ,
que viria a ganhar evidência mais tarde. A saída foi procurar Murilo Rubião.
Na mesma época, a Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP) criava o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC). Combinou-se
o seguinte: o IFAC ficaria por conta de teatro e dança, e a escola Rodrigo
Mello Franco investiria em Artes Plástica e no curso de restauração. Este
último teve à frente o restaurador Jair Inácio, verdadeiro ícone ouro-pretano
de origem pobre e autodidata, que acabou por lecionar também na Europa.
Ampliação
Vera Pinheiro, atual presidente
da FAOP, diz que a fundação passou por um período de queda de atividade na
década de 80. Hoje a Fundação abrange oficinas de carpintaria, cantaria (arte
em pedra) e artesanato em ferro. Há também projeto de uma fundição a cera
perdida, para uso em escultura. Para permitir que esses serviços possam ser
prestados a terceiros, foi criada a Associação de Amigos da FAOP. Pela
legislação atual, a fundação, de direito público-vinculada à secretaria de
Estado da Cultura, está impedida de prestar serviços.
A FAOP conta também com a
livraria Murilo Rubião com um acervo de 1700 títulos sobre artes, número que
não pode crescer muito em razão de risco de excesso de peso vivido pela edificação.
A fundação mantém ainda o Centro de Conservação e Restauração de Bens Móveis,
que oferece um curso técnico de formação de restauradores com duração de dois
anos. Há também os cursos livres de pintura, escultura, desenho, iniciação
artística e de máscaras. Este último recupera a velha tradição dos “máscaras”
que precediam, de forma irreverente, as procissões do Triunfo Eucarístico. Coube
à fundação a restauração da casa onde viveu Alberto Guignard, nos seus últimos
anos, na praça Antônio Dias, 80, em Ouro Preto. Na casa, de propriedade da família
de Pedro Aleixo, cedida à Fundação em regime de comodato (isto é, concessão por
tempo determinado), funciona atualmente o Centro Presidente Pedro Aleixo, mais
uma unidade da FAOP.
Escola formou em Ouro Preto geração de artistas importantes
A presença de Nello Nuno e
Annamélia em Ouro Preto deu um sopro de modernidade no mercado tomado pela
“pintura turística”, diz Márcio Sampaio curador da exposição: ”Verde que te
quero Vermelho”, com obras dos dois artistas, a ser realizada no período de 20
a 25 de novembro. Sampaio destaca que o artista morto em 1975, aos 36 anos, foi
um dos primeiros a rejeitar a influência de Guignard , substituindo o
“edulcorado das pinturas coloniais"por uma “pintura densa de cores terrosas,
feias para o gosto comum, então em moda”. O curador destaca que, já nos anos 60,
Nello Nuno surpreendia com colagens de jornais sobre pinturas setorizadas, nas
quais as notícias apareciam misturadas com outras formas barroquizadas. Para
Sampaio, o artista antecipou a arte-objeto e a arte conceitual em séries
realizadas em 1967. Nesses trabalhos, utilizava caixas de acrílico, plantas,
bichos vivos e pinturas. No entanto, o curador acredita que o mais importante em
Nuno foi a valorização da "pintura-pintura" em meio a todos experimentalismos. “Ele
nunca abriu mão de ser pintor”, diz Sampaio.
Se o fundamental em Nuno é o “essencialismo",
a principal característica da obra de Annamélia, 62, premiada na 10ª Bienal de
São Paulo, de 1969, por sua xilogravura, é a tensão entre os planos internos e
externos da peça xilográfica.“Enquanto no interno há referências figurativas
ligadas à imaginária e à talha barroca, externamente a estrutura é geométrica”,
avalia Sampaio. Sua obra tem uma “pulsação expressionista “, analisa.
“Quando comecei, não tinha como
distinguir entre o convencional e o contemporâneo”, diz Jorge dos Anjos, que
ingressou na FAOP aos 13 anos., em 1970, e é o curador da exposição de
trabalhos de ex-alunos da Escola Rodrigo Melo Franco de Andrade, a ser inaugurada
no dia 21 de novembro. Jorge diz que na época de seu ingresso, Jair Inácio dava
aulas não só de restauração como também de pintura. Só que o ensino de pintura
era mais voltado para o conhecimento de materiais e preparo de tintas, o que
acabou por dar um perfil especial àquela geração de alunos, pintores com
verniz de mestres –artesões. Essa geração inclui, entre outros, Gélcio Fortes (pintor
e diretor do museu Casa de Guignard, de Ouro Preto), Sussuca, Chiquitão, José Efigênio,
Guilherme Mansur (também poeta e editor) e o próprio Jorge dos Anjos, conhecido
pelo trabalho marcado por motivos afro-brasileiro. (WCF).